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BÊ COM A BEABÁ
BÊ COM A BEABÁ *Luciano Pires Minha esposa disse: "a moça que faz minhas unhas comentou que sempre lê meus artigos numa revista publicada na região. Disse que gosta, mas que muitas vezes não entende o que eu escrevo. E que talvez eu devesse `maneirar`nas idéias, nas citações, nas construções gramaticais." Fiquei fulo! Acho que meus escritos já são extremamente simples, meu português é nada mais que mediano, minhas idéias nunca foram sofisticadas. Escrevo da forma mais simples possível, simplória até. Mas estou além do entendimento de uma parcela importante de leitores. Preciso consultar um marqueteiro político. Marqueteiros políticos sabem tratar adultos como crianças. Ao ver as propagandas políticas você não tem a impressão de que a qualquer momento o candidato dirá ?o titio vai levar você no cinema?? São textos rasos, num linguajar tosco, que deixam claro que para os marqueteiros, povo é um agrupamento de miseráveis ignorantes, analfabetos e incapazes que devem ser conduzidos da forma mais infantil possível. E nesse contexto cabe a musiquinha de fundo, o sotaque nordestino caricato, o português errado, os desenhinhos, os exemplos dos miseráveis, os sonhos minúsculos... A coisa só esquenta quando os adversários baixam o nível e começam com os xingamentos. - Porrada! Afinal, qual é o esforço intelectual para perceber que duas pessoas estão se agredindo? Pouquinho, né? Uma pena. Nunca me conformei com esse nivelamento por baixo. Sempre que me dirijo a qualquer pessoa, falando ou escrevendo, procuro estar um degrau acima do que ? imagino - seja sua capacidade de compreensão. Falo com uma criança de seis anos como se ela tivesse oito. Um jovem de quinze anos como se tivesse dezoito. Um estudante secundário como se fosse universitário. Acredito que assim estimulo a pessoa a subir um degrau. A evoluir. Já os marqueteiros políticos preferem mantê-los onde estão. Falar sempre a partir de um degrau abaixo. Jamais estimular a reflexão. Usam as técnicas maravilhosas do marketing e da comunicação para manter a mediocridade. Fazem com que acreditemos no ?grande pai?, no milagroso líder que nos pegará pela mão e nos dará segurança, comida e abrigo. Se não for assim, não vende. Essa infantilização não faz bem para a sociedade. Não ajuda a amadurecer os debates. Não estimula ninguém a crescer. Liquida com nossa liberdade de escolha. Afinal, ?papai e mamãe é que mandam?... E com nosso sistema educacional falido e os meios de comunicação ricos em fórmulas prontas, essa infantilização colabora para que a mediocridade seja não só mantida, mas incentivada. Seja raso. Não sofistique. Ninguém vai entender. Daí o linguajar infantil, idiota. A apologia à ignorância. E as conseqüências desdobram-se por todos os segmentos da sociedade. Quer um exemplo? Acabo de ver as primeiras imagens de Lindemberg, o rapaz que seqüestrou as duas meninas e assassinou uma delas. Logo depois de ser preso ele contou o que fez. Dizendo que ?ama ela? e queria ela ao seu lado. Mas o que mais chamou a atenção foi quando ele disse que recebeu um papel que seu advogado conseguiu junto ao Ministério Público. O documento garantia que ele poderia se entregar, pois sua integridade física estaria preservada. E ele diz: recebi um papel, mas não entendi nada... ?Num intindi nada?... Aquele documento, redigido por advogados, não foi escrito para ser lido por ignorantes. E por isso não foi entendido. Fico imaginando: se o documento tivesse sido escrito por um marqueteiro político, Lindemberg teria entendido. E talvez a Eloá estivesse viva. Não é assustador? Precisar da infantilização para ser compreendido? Esse processo de emburrecimento generalizado é nosso castigo, nossa cruz. A verdadeira miséria do Brasil é a intelectual. * Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista. ...


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